Abafa Berro

Eu não finjo, não mordo, não sou ativista, não tenho ideologia, não meto os pés nas mãos, não tenho porções mágicas. Tenho um berro abafado para quem tiver ouvidos mudos.

10/08/2007

Diário de bordo ambulante: a palavra não resume o instante

Quantas ruas eu caminhar vou contar os passos medindo o fervor do chão.Mas não é o mesmo que caminhar descalço na areia. Entendes ?

Eu queria ser um grão de areia, as vezes.
Eu queria ser um pouco de már.

É absurdo acreditar no momento que está vivendo,com tanta intensidade, de tornar cada segundo único. Eu vivo tentando fazer assim, vivo tentando ser assim. Escrevendo coisas só para minha satisfação, criando sonhos só para a minha ilusão, colhendo sentidos que só fazem sentido na escuridão...Entendes ?

Eu queria ser uma lâmpada, as vezes.
Eu queria ser um pequeno vagalume.

O que eu tenho de sincero não me suporta, tudo que sai não me pertence mais...E eu não quero que ninguém me entenda se for assim. Quero ser a minha invenção, o meu diário, a palavra que não descreve nada que o momento tenha escrito.

Eu queria ser uma sílaba, as vezes.
Eu queria ser uma frase súbita.

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8/26/2007

Terra do não

Não tenho os sapatos mais bonitos
mas minha mente tem caminhos infinitos.

Não recrio o paraíso na cidade intensa
mas as canções de viajante vêm com crença.

Não invoco as lembranças no fim da tarde
mas o pensamento promove a saudade.

Não sou negativa ao ponto de sangrar para sofrer
mas aqui nessa cidade o vermelho se cria em você.

Não reparto a mesma fruta das tuas manhãs cinzas
mas a cada segundo vivo o que não é minha sina.

Não repare se a pele seca se intimida no teu vento paralizante
mas parte os lábios e insuna o colo quando a avenida é gigante.

Não sou daqui desse caminhar agitado e longo
mas os feios sapatos promovem desencontros.

8/17/2007

Conversa para perto

Már diz:
vai ser feliz em campos, vai
vai que eu serei feliz em sampa
sem você, meu bem.

Farei uma canção que te deixará partir
e ficará ecoando em mim
o desejo de volta, eterna, interna.
pra perto de onde nunca estivemos.

A não ser que a viagem fique mais longa
e o céu se torne menor.

5/07/2007

Perna comprida,verdade dita


A solução seria mentir a si mesmo. Sim, mentir porque a realização dos seus sonhos precisava de mais um pouco de tempo e emoção. As linhas da sua história estavam sinceras demais, óbvias para a intensidade das imagens televisivas.

A solução seria mentir assim mesmo. Não, não era simples. Sabe como entortar a gravata do presidente da República ? Ou botar um ovo na boca do Wiliam Boner ?
A correria do seu fantasioso canal de ideias era enorme, a verdade não é bem vinda neste caso.

A solução seria mentir e ser o mesmo. Claro, o espelho estava intacto, a aparência bem maquiada, o show da vida não tem intervalo. O ego é sustentado pelas luzes do estúdio.

-Tudo pronto ?
-Não, preciso achar minhas invenções,não sei onde guardei.
-Mas como ? Precisas sustentar o público, a audiência,e mais: todas as mentiras. Precisa-se de memória minha amiga, muita história pra pouca perna.
-Ah...Vai assim mesmo, todo mundo acredita no que eu falo.
-Lê o "TP", ele sempre tem a solução.
-Ok.


"Boa noite, está no ar o Jornal Falsete.
Começamos com o quadro "Acredite se quiser"."


Uma mentira desmascarada tem muito mais força do que a verdade escancarada.

4/13/2007

Circuito

Se paro na roda eu vejo a moda de tantos parados
De fora do mundo, de fora de tudo,
O solo arrastado.

No embrenho da roda se mulher engorda
É o filho amado.
Se tivesse seguido dentro da linha de sentido
Morreria engasgado.

Vai dançando enrroscando o corpo
E aproveita o embalo.
Força que não entorta, faz no peito uma porta
E assume o estado.

E girando se move o ciclo, se dança ciranda
Menina arredia cria folia, não desencanta.

3/20/2007

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas...



"Elas não tem gosto ou vontade

Nem defeito, nem qualidade

Têm medo apenas

Não tem sonhos, só tem presságios

O seu homem, mares, naufrágios

Lindas sirenas, morenas..."


Na mulher que se cria em mim não há exemplos sendo seguidos, uma pena.
Mente, estômago e sexo, comandam a cena.

Chico, me perdoe.


O meu medo eu grito.
O meu sonho eu risco.
Os meus homens eu sinto.
Os meus mares eu visto.

3/01/2007

Tropicalismo em cor,gesto e canção


Eles representavam a representação. A banana brasileira, a vida brasileira, o vento levando os caminhos, eram tudo a mesma coisa para essas tropicais mentes criativas e pensantes. O movimento denominado “Tropicalista”, surgiu de um manifesto-blague intitulado “Cruzada Tropicalista”, regido por Nelson Mota, este inspirado na obra do artista plástico Hélio Oiticica. Esta tinha um significado totalmente oposto dos rumos que mais tarde o movimento iria tomar , como explica o seu criador:

“Quando criei minha obra-ambiente Tropicália (1966-67), duas coisas queria, de modo objetivo: uma era sintetizar tudo o que vinha fazendo há tempos no sentido de uma arte ambiental (ou antiarte, como queiram), outra era marcar, com o conceito de Tropicalismo, um novo modo objetivo de caracterizar certos elementos na manifestação atual da arte brasileira, que se possam erguer como uma figura autônoma, não-cosmopolita, opondo-se num novo modo ao Op e Pop internacionais.”

Para se entender a diferença, vamos por partes: Primeiro citando os grandes percussores do movimento na área musical, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Foram eles que deram a cara à tapa nos festivais, foram vaiados, exilados, tudo porque queriam uma música que possuísse uma identidade genuinamente brasileira, que tivessem referências na tradição popular. Foi em 1967 no Festival da Record que a mídia começa a olhar para estes revolucionários, e o debate se inicia. A obra de Oiticica tinha como proposta uma arte universal, já a tropicália para os baianos, uma arte brasileira, onde o artista tinha um papel importante na conscientização políticas das massas, não sofrendo influencia da indústria e do sistema social.
Vale lembrar que o País estava saindo da era Vargas, período da Ditadura Militar, A-I 5 (Ato Institucional n. 5 ) , onde qualquer tipo de manifestação era repreendida. Começava-se uma abertura econômico-industrial, chegavam as multinacionais, investia-se alto nos meios de comunicação e propaganda, e foi junto com essas transformações que os tropicalistas se encontravam. Faziam dos acontecimentos inspiração para a cabeça também em constante mutação, para a renovação das idéias, por acreditarem na verdade popular mais pura que o nosso país possuía, que estava escondida por detrás dos “Clarins da Banda militar”. Com a palavra, Caetano:

“Ora a música brasileira se moderniza e continua brasileira, à medida que toda informação é aproveitada (e entendida) da vivência e da compreensão da realidade brasileira (...) Para isso nós da música popular devemos partir, creio, da compreensão emotiva e racional do que foi a música popular brasileira até agora; devemos criar uma possibilidade seletiva como base na criação. Se temos uma tradição e queremos fazer algo de novo dentro dela, não só temos que senti-la mas conhecê-la. É este conhecimento que vai nos dar a possibilidade de criar algo novo e coerente com ela. Só a retomada da linha evolutiva pode nos dar uma organicidade para selecionar e ter um julgamento de criação (...) Álias João Gilberto , para mim, é exatamente o momento em que isto aconteceu: a informação da modernidade musical utilizada na recriação, na renovação, no dar um passo à frente da música popular”

Eles lutavam naquela época o que agora aceitamos pacificamente, a indústria cultural tendo as rédias de todos os modos de arte, de todos os meios comunicativos, de todas as formas de pensar. Mas não tinham idéia do que isso significava ainda, não iniciaram um movimento contra ela especificamente, queriam é não cair na banalização, como a Jovem Guarda, estilo na época muito influenciado pelo rock americano, uma música meramente comercial. Utilizaram de muita ironia, experimentalismo, e coragem para ir em frente, debaixo de uma chuva de críticas mas também de aplausos. Com a palavra Gil:

“Na verdade, eu não tinha nada na cabeça a respeito do tropicalismo. Então a imprensa inaugurou aquilo tudo com o nome de tropicalismo. E a gente teve que aceitar, porque tava lá, de certa forma era aquilo mesmo, era coisa que a gente não podia negar. Afinal, não era nada que viesse desmentir ou negar a nossa condição de artista, nossa posição, nosso pensamento, não era. Mas a gente é posta em certas engrenagens e tem que responder por elas.” (Gilberto Gil, História da Música Popular Brasileira, São Paulo: Abril Cultural, 1971, fasc. 30, p. 10)

“O tropicalismo surgiu mais de uma preocupação entusiasmada pela discussão do novo do que propriamente como um movimento organizado” (entrevista de Gilberto Gil a Augusto de Campos in Balanço da Bossa, p. 193.)

E o grande público começou a degustar desse fruto amargo, porém necessário, que era a musicalidade tropicalista, com a chagada do Lp-manifesto: “Tropicália: Ou Panis et Circencis”, em 1968. Coberto de críticas e significados, com músicas muito representativas e ilustrativas, bem ao modo de vida da época, o LP marca a chagada da industrialização, dos meios de consumo,da reprodutibilidade das ações e produtos, questionando o papel da arte como veículo ideológico de afirmação nacional, como exemplificamos em “Parque Industrial”, de Tom Zé:

“Retocai o céu de anil,
Bandeirolas no cordão,
Grande festa em toda a nação.
Despertai com orações,
O avanço industrial vem trazer nossa redenção.”

“Já temos um sorriso engarrafado,
Já vem pronto e tabelado,
É somente requentar e usar.
Porque é Mande In Brasil....”

Outros trechos que deixam bem evidente a banalidade,o consumismo, a crítica a americanização, a jovem guarda, e as campanhas nacionalistas de Vargas,está em “Baby”, de Caetano Veloso:

“Você, precisa saber da piscina,
da margarina da Carolina, da gasolina...”

“Você, precisa tomar um sorvete na Lanchonete,
Andar com a gente, me verde perto.
E ouvir aquela canção do Roberto...”

“Você precisa aprender Inglês...”

“Não sei, comigo vai tudo Azul,
Contigo vai tudo em paz,
Vivemos na melhor cidade da América do Sul...”



O tropicalismo mudou a cara da música popular brasileira, deixando muitas influências para as gerações posteriores, como Ney Matogrosso e a Vanguarda Paulistana no final dos anos 70, Itamar Assunção e o Grupo Rumo. Já nos anos 90, o movimento denominado Mangue Beat, liderado pelo compositor pernambucano Chico Science, também foi inflênciado pelo movimento, e ainda os mais recentes grupos como, Pedro Luís e a Parede e Mundo Livre SA.
Vale muito a pena contemplar os ouvidos com uma boa música que ainda trás um apanhado de informação cultural sobre a história do nosso país. Com muita “Alegria Alegria”, nos despindo de toda essa “Geléia Geral”, os tropicalistas nos fazem acreditar em apenas um som que é universal: Aquele que vem de dentro.