Abafa Berro

Eu não finjo, não mordo, não sou ativista, não tenho ideologia, não meto os pés nas mãos, não tenho porções mágicas. Tenho um berro abafado para quem tiver ouvidos mudos.

3/01/2007

Tropicalismo em cor,gesto e canção


Eles representavam a representação. A banana brasileira, a vida brasileira, o vento levando os caminhos, eram tudo a mesma coisa para essas tropicais mentes criativas e pensantes. O movimento denominado “Tropicalista”, surgiu de um manifesto-blague intitulado “Cruzada Tropicalista”, regido por Nelson Mota, este inspirado na obra do artista plástico Hélio Oiticica. Esta tinha um significado totalmente oposto dos rumos que mais tarde o movimento iria tomar , como explica o seu criador:

“Quando criei minha obra-ambiente Tropicália (1966-67), duas coisas queria, de modo objetivo: uma era sintetizar tudo o que vinha fazendo há tempos no sentido de uma arte ambiental (ou antiarte, como queiram), outra era marcar, com o conceito de Tropicalismo, um novo modo objetivo de caracterizar certos elementos na manifestação atual da arte brasileira, que se possam erguer como uma figura autônoma, não-cosmopolita, opondo-se num novo modo ao Op e Pop internacionais.”

Para se entender a diferença, vamos por partes: Primeiro citando os grandes percussores do movimento na área musical, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Foram eles que deram a cara à tapa nos festivais, foram vaiados, exilados, tudo porque queriam uma música que possuísse uma identidade genuinamente brasileira, que tivessem referências na tradição popular. Foi em 1967 no Festival da Record que a mídia começa a olhar para estes revolucionários, e o debate se inicia. A obra de Oiticica tinha como proposta uma arte universal, já a tropicália para os baianos, uma arte brasileira, onde o artista tinha um papel importante na conscientização políticas das massas, não sofrendo influencia da indústria e do sistema social.
Vale lembrar que o País estava saindo da era Vargas, período da Ditadura Militar, A-I 5 (Ato Institucional n. 5 ) , onde qualquer tipo de manifestação era repreendida. Começava-se uma abertura econômico-industrial, chegavam as multinacionais, investia-se alto nos meios de comunicação e propaganda, e foi junto com essas transformações que os tropicalistas se encontravam. Faziam dos acontecimentos inspiração para a cabeça também em constante mutação, para a renovação das idéias, por acreditarem na verdade popular mais pura que o nosso país possuía, que estava escondida por detrás dos “Clarins da Banda militar”. Com a palavra, Caetano:

“Ora a música brasileira se moderniza e continua brasileira, à medida que toda informação é aproveitada (e entendida) da vivência e da compreensão da realidade brasileira (...) Para isso nós da música popular devemos partir, creio, da compreensão emotiva e racional do que foi a música popular brasileira até agora; devemos criar uma possibilidade seletiva como base na criação. Se temos uma tradição e queremos fazer algo de novo dentro dela, não só temos que senti-la mas conhecê-la. É este conhecimento que vai nos dar a possibilidade de criar algo novo e coerente com ela. Só a retomada da linha evolutiva pode nos dar uma organicidade para selecionar e ter um julgamento de criação (...) Álias João Gilberto , para mim, é exatamente o momento em que isto aconteceu: a informação da modernidade musical utilizada na recriação, na renovação, no dar um passo à frente da música popular”

Eles lutavam naquela época o que agora aceitamos pacificamente, a indústria cultural tendo as rédias de todos os modos de arte, de todos os meios comunicativos, de todas as formas de pensar. Mas não tinham idéia do que isso significava ainda, não iniciaram um movimento contra ela especificamente, queriam é não cair na banalização, como a Jovem Guarda, estilo na época muito influenciado pelo rock americano, uma música meramente comercial. Utilizaram de muita ironia, experimentalismo, e coragem para ir em frente, debaixo de uma chuva de críticas mas também de aplausos. Com a palavra Gil:

“Na verdade, eu não tinha nada na cabeça a respeito do tropicalismo. Então a imprensa inaugurou aquilo tudo com o nome de tropicalismo. E a gente teve que aceitar, porque tava lá, de certa forma era aquilo mesmo, era coisa que a gente não podia negar. Afinal, não era nada que viesse desmentir ou negar a nossa condição de artista, nossa posição, nosso pensamento, não era. Mas a gente é posta em certas engrenagens e tem que responder por elas.” (Gilberto Gil, História da Música Popular Brasileira, São Paulo: Abril Cultural, 1971, fasc. 30, p. 10)

“O tropicalismo surgiu mais de uma preocupação entusiasmada pela discussão do novo do que propriamente como um movimento organizado” (entrevista de Gilberto Gil a Augusto de Campos in Balanço da Bossa, p. 193.)

E o grande público começou a degustar desse fruto amargo, porém necessário, que era a musicalidade tropicalista, com a chagada do Lp-manifesto: “Tropicália: Ou Panis et Circencis”, em 1968. Coberto de críticas e significados, com músicas muito representativas e ilustrativas, bem ao modo de vida da época, o LP marca a chagada da industrialização, dos meios de consumo,da reprodutibilidade das ações e produtos, questionando o papel da arte como veículo ideológico de afirmação nacional, como exemplificamos em “Parque Industrial”, de Tom Zé:

“Retocai o céu de anil,
Bandeirolas no cordão,
Grande festa em toda a nação.
Despertai com orações,
O avanço industrial vem trazer nossa redenção.”

“Já temos um sorriso engarrafado,
Já vem pronto e tabelado,
É somente requentar e usar.
Porque é Mande In Brasil....”

Outros trechos que deixam bem evidente a banalidade,o consumismo, a crítica a americanização, a jovem guarda, e as campanhas nacionalistas de Vargas,está em “Baby”, de Caetano Veloso:

“Você, precisa saber da piscina,
da margarina da Carolina, da gasolina...”

“Você, precisa tomar um sorvete na Lanchonete,
Andar com a gente, me verde perto.
E ouvir aquela canção do Roberto...”

“Você precisa aprender Inglês...”

“Não sei, comigo vai tudo Azul,
Contigo vai tudo em paz,
Vivemos na melhor cidade da América do Sul...”



O tropicalismo mudou a cara da música popular brasileira, deixando muitas influências para as gerações posteriores, como Ney Matogrosso e a Vanguarda Paulistana no final dos anos 70, Itamar Assunção e o Grupo Rumo. Já nos anos 90, o movimento denominado Mangue Beat, liderado pelo compositor pernambucano Chico Science, também foi inflênciado pelo movimento, e ainda os mais recentes grupos como, Pedro Luís e a Parede e Mundo Livre SA.
Vale muito a pena contemplar os ouvidos com uma boa música que ainda trás um apanhado de informação cultural sobre a história do nosso país. Com muita “Alegria Alegria”, nos despindo de toda essa “Geléia Geral”, os tropicalistas nos fazem acreditar em apenas um som que é universal: Aquele que vem de dentro.

4 Comentários:

  • Às 8:02 PM , Anonymous Anônimo disse...

    boa menção marcia... tropicalismo é o que há...

     
  • Às 5:06 PM , Blogger Walrus disse...

    Muito bom esse seu texto sobre a tropicália. Realmente um movimento que não seria movimento, mas se tornou um. A discussão da cara da cultura brasileira moderna. Como ser influenciado pela cultura externa, mas sem esquecer nossas raízes tradicionais? Como alimentar-se do enlatado e até usar elementos deste, porém sem perder a cara de Brasil? Esses foram questionamentos colocados pelos tropicalistas e que são pertinentes até hoje, no nosso mundo altamente capitalista e globaalizado, onde a arte está em sua maior parte a serviço da indústria e não o contrário, como deveria ser. Bem, já estou me alongando muito nesse comentário. Só queria dizer que li alguns dos seus outros textos e os achei muito bons mesmo! Seus berros deves ser ecoados para despertar os ouvidos mudos! Parabéns!

    Se puder passa tbm no meu blog. Meus textos não são lá essas coisas, mas em grande parte tem uma carga emocional muito grande, aqueles sentimentos e reflexões que nos pertubam de uma forma que não podemos nos fechar neles, devem ser catarseados...

     
  • Às 5:08 PM , Blogger Walrus disse...

    http://palavrasdecatarse.blogspot.com/

     
  • Às 5:21 PM , Blogger Walrus disse...

    ah, outra coisa. Eu tenho este álbum "Tropicália" em CD. Realmente muito bom. Gosto muito de Parque Industrial. Beijos

     

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